Pela visibilidade acadêmica e política das pequenas cidades!

O processo de urbanização territorializa-se em diversos tipos de assentamentos. Dos mais concentrados aos mais dispersos. O território com suas dinâmicas compõem uma totalidade, sempre mutuamente implicadas. Isso significa que não é possível estudar determinados pontos do território e da rede urbana sem considerar a totalidade. As pequenas cidades, embora sejam as mais numerosas na rede urbana, não são suficientemente estudadas para dar conta da complexidade do grande conjunto que elas representam. É preciso conhecê-las para que possam fazer parte adequadamente do planejamento territorial buscando superar os desafios contemporâneos que são muitos.

O Censo Demográfico de 2022 no Brasil revelou que os municípios polarizados por pequenos núcleos urbanos correspondem a quase 90% dos núcleos existentes no país, o que mostra que são fundamentais na estruturação territorial. Demograficamente, dos 5.570 municípios formalizados, o referido censo trouxe os seguintes dados:

Tabela 1 – Brasil. Municípios por faixa demográfica, número total, população e %, 2022.

Municípios por faixa demográfica (habitantes) Número de municípios População absoluta e relativa
Até 5 mil 1.324 4.442.366  (2,18)
5 a 10 mil 1.171 8.341.946 (4,1)
10 a 20 mil 1.365 19.208.533 (9,45)
20 a 50 mil 1.054 32.006.964 (15,76)
50 a 100 mil    337 23.417.569 (11,53)
100 a 500 mil   278 56.768.154 (27,95)
Mais de 500 mil habitantes     41 58.876.980  (28,99)
Total 5.570 203.062.512

 

Delimitando municípios com até 50 mil habitantes eles somam 4.914 municípios, que constituem espaços de vida de 63.999.809 habitantes.  Ou seja, 31,49% da população total vivem em municípios cujas sedes urbanas podem ser consideradas pequenos núcleos urbanos ou pequenas cidades. O mapa apresentado a seguir especializa esses municípios (representados em vermelho) no âmbito do território brasileiro, mostrando que as áreas polarizadas por pequenas cidades/localidades no Brasil correspondem a significativa parte desse território.

Embora estejamos tomando como referência dados de municípios e não se deve confundir, obviamente cidades e municípios, pois estes são a institucionalização territorial de área que extrapola a cidade ou sede urbana; é certo, contudo, que até esse limite são áreas que podem ser consideradas como polarizadas por pequenas cidades/localidades, ainda que com uma grande variação de dados demográficos, econômicos e papéis entre elas.

            Nesse amplo conjunto de mais de quatro mil localidades está uma diversidade quanto a questão demográfica, situação geográfica, ambiental, econômica e cultural. Portanto, são espaços apenas aparentemente simples, que devem ser estudados para que possam ser compreendidos na sua complexidade.

            As menores cidades da rede urbana muito raramente são alvos de políticas territoriais. E não contemplar pequenas cidades no âmbito dos estudos e da gestão urbana é deixar parte relevante da realidade de fora. No Brasil, com a aprovação do Estatuto da Cidade em 2001 e criação do Ministério das Cidades em 2003, pode-se considerar que houve um princípio de mudança e muitos municípios polarizados por pequenas cidades/localidades foram obrigados a elaborar um plano diretor. No âmbito nacional essa exigência foi para municípios acima de 20 mil habitantes, mas no Estado do Paraná a exigência se estendeu para todos os municípios. Para grande parte deles nessa ocasião ocorreu a primeira experiência de planejamento. No referido Estatuto foram previstos mecanismos para que o planejamento pudesse ser um processo, com revisões periódicas e não apenas planos pontuais. Por isso, decorridos dez anos os planos diretores precisavam ser revistos. Contudo, situações como a pandemia, a descontinuidade institucional pelas mudanças políticas acabou atrasando o processo, além das dificuldades técnicas, políticas e econômicas locais. O planejamento urbano, embora se fale muito dele, é algo a ser consolidado no Brasil. É cultura que se constrói a longo prazo, sobretudo de modo participativo.

            Ao longo da vida acadêmica vinhamos abordando pequenas cidades, consideradas como espaços não-metropolitanos e geograficamente periféricas. Com o intuito de suprir as lacunas que estamos assinalando quanto as pequenas cidades/localidades estamos articulados para avançar no conhecimento e  subsídios ao planejamento e gestão delas por meio da criação de uma rede de pesquisadores que decidimos denominar de Mikripoli[1]. Temos trabalhado juntos há três anos com várias frentes de trabalho: organização de eventos (em especial manutenção da organização do Sinapeq que terá em 2024 a sétima edição), publicações, projeto de pesquisa em conjunto, dentre diversas iniciativas.

É preciso reconhecer os espaços mikripolitanos, que podem ser compreendidos como aqueles com predomínio de pequenas cidades/localidades, o que é na realidade, significativa parte do território brasileiro.

Pela visibilidade para as pequenas cidades/localidades no âmbito acadêmico e político! Por uma Geografia Urbana também mikripolitana!

[1] Do grego mikri (pequena) e poli (cidade).

Para saber mais:

ENDLICH, Angela. Maria; ALVES, Larissa Mattos, TEIXEIRA, Juliana. Carolina. Desafios atuais para as pequenas cidades / localidades da Região Intermediária de Maringá – Paraná. Redes, v. 28(1), 2023. https://doi.org/10.17058/redes.v28i1.18494

 

Angela Maria Endlich
Angela Maria Endlich
Universidade Estadual de Maringá (UEM)
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