Cheias no Rio Grande do Sul, BR (2024) – complexas interações e catástrofe

As cheias sucedidas no mês de maio em Rio Grande do Sul tiveram uma grande repercussão na escala local, com a morte de mais de 150 pessoas e o alagamento de prédios e negócios, mas também a escala planetária, pois anunciam as consequências da nova situação climática, para a que se necessita adoptar medidas de resistência e fortalecer as infraestruturas públicas.

Para compreender as cheias ocorridas no estado do Rio Grande do Sul neste mês de maio de 2024 iniciamos com uma breve observação sobre os eventos climáticos ocorridos neste estado localizado ao sul do Brasil, em latitudes subtropicais. Neste período, outono no Hemisfério Sul, a dinâmica atmosférica é caracterizada pelas entradas de massas de ar vindas do sul do hemisfério: Antártica, Andes, Argentina e Uruguai. De outra parte, em decorrência de uma anomalia atmosférica, nesse momento, tem-se instalada no Brasil Central e de Sudeste, uma massa quente de grandes proporções que promove o aumento das temperaturas nessas áreas. Esta massa quente constitui uma barreira ao avanço das massas vindas do Sul (massas frias). Esta frente estacionária sobre a latitudes deste estado, promove uma intensificação da umidade (para a qual contribui o Anticiclone Subtropical (Oceano Atlântico) e, em decorrência ocorrem as chuvas extremas nesse estado.

A par disto é necessário considerar o relevo e a rede hidrográfica do estado caracterizado pela presença de um planalto ao norte, topograficamente, mais elevado que o centro sul do estado, excluindo a parcela representada pelo Escudo Uruguaio – sul- riograndense. De outra parte, praticamente 1/4 dos rios drenam suas águas para áreas mais rebaixadas, onde localiza-se Porto Alegre. Fig. 1 a e b.

Fig.1A.indicação de anomalia atmosférica.

Fig.1B. Altimetria e relevo do Rio Grande do Sul.

As cheias com chuvas intensas que promoveram esta catástrofe ambiental no Rio Grande do Sul, atingiu a grande maioria das cidades: 463 de um total de 497 cidades que compõe o estado. Esta catástrofe registra 161 pessoas mortas, 85 desaparecidas e 650.000 pessoas fora de casa. Afetou 2 milhões 320 mil pessoas, deixou, 77mil desabrigados e mais de 540 mil desalojados [1].

Na capital gaúcha a inundação atingiu 157.701 pessoas o que equivale a 11,8% da população total dos moradores da capital. Do cruzamento das áreas alagadas e renda da população atingida, incluindo além dos bairros ao norte da capital parte do município de Canoas, conforme mapa produzido pelo Observatório das Metrópoles (Fig.2), em comparação com a mesma fig2 B tem-se revelado a intensidade das chuvas e as razões de tamanho alagamento da capital dos gaúchos. Uma análise comparativa permite observar que: é o setor norte da Cidade de Porto Alegre, nas áreas mais rebaixadas (planícies fluviomarinhas) e nas ilhas que compõe o Delta do Jacuí, principal emissário das águas que fluem do norte do estado, áreas mais alagadas. Nestas vivem populações de baixa renda (entre um e dois salários-mínimos mensais). Para além da vulnerabilidade desses sítios dado, as suas características naturais, o sistema de controle das cheias do Guaíba (construído nos anos 1970) por falta de manutenção e de políticas de preservação de cheias pelos governos do estado e do município, apresentaram falha, sobretudo no setor norte, indicado no mapa pelos ícones em vermelho e amarelo que representam bombas de captação e diques que se encontram inoperantes ou em manutenção, por negligência das atuais gestões municipais e estaduais.

Fig. 2A. Área alagada e renda: porto Alegre e entorno.

Fig. 2.B Sistema de contenção de cheias
parcialmente operante.

Para além deste problema na cidade de Porto Alegre e entorno associam-se outros em maior escala em relação ao estado como um todo; barramento das frentes frias em latitudes do estado do RS; convergência dos cursos d´água para o Guaíba, represamento da laguna dos Patos desde o canal de Rio Grande ao sul do estado, em decorrência dos ventos vindos do sul; desmatamento histórico do centro –norte do estado pela expansão de grandes lavouras comerciais, sobretudo soja; desregulamentação das normativas de proteção ambientais por parte do governo de estado, em particular na atual gestão, falha de monitoramento e manutenção do sistema de contenção de cheias; desmantelamento de órgãos públicos, redução de equipes técnicas ( DMAE departamento Municipal de Águas e Esgotos) com vistas a privatização; urbanização da orla do Guaíba visando interesses privados e total descontrole na construção de estratégias de enfrentamento desta calamidade, revelada na inoperância da administração municipal que conta para solução deste imenso problema com pessoas voluntárias e, da solidariedade do povo em escala nacional.

Independente desta análise local sobre a tragédia é importante informar que as cheias e suas dramáticas consequências afetaram praticamente todo o estado, com menor intensidade em seu setor sudoeste, promovendo, morte, deslocamentos, perdas totais de moradias, danos materiais urbanos e em setores rodoviários e ou de eletricidade (barragens), prejuízos nas atividades agrícola, industrial e de serviços que, em termos numéricos são ainda incalculáveis. Enfim, quando encerro este texto, as águas que fluíram para a laguna dos Patos expandem essa calamidade para o sul/sudeste do Estado, inundando outras as cidades da orla do Laguna dos Patos, Pelotas e Rio Grande. Na Porto Alegre as águas voltam a inundar, inclusive bairros que não foram afetados pelo pico das cheias, devido ao entupimento do sistema de escoamento pluvial da capital gaúcha que, também decorreu da falta de planejamento para o enfrentamento de episódios extremos.

1. Dados da defesa civil em 22 de maio de 2024.

Para saber mais:

Eventos climáticos e expropriação, no Rio Grande do Sul 2024. O que a Geografia tem a dizer? AGB-POA. https://www.youtube.com/watch?v=0F32K9wxdYU

Dirce Maria Antunes Suertegaray
Dirce Maria Antunes Suertegaray
UFRGS e Sócia da AGB Porto Alegre
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