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Por que existem resistências à aplicação das leis antirracistas no sistema escolar?

No Brasil, a escravidão além de base econômica da colonização foi também o fundamento de todas as esferas da vida social e política. O escravismo esteve presente por 300 anos e imprimiu a desigualdade e a excludência como regras básicas do convívio social. A sociedade escravocrata se estabeleceu e gozou de privilégios impondo a violência.  

 

Darcy Ribeiro em sua obra clássica O povo brasileiro afirma que a empresa escravista atua como uma mó desumanizadora e deculturadora de eficácia incomparável. Submetido a essa compressão, qualquer povo é desapropriado de si, deixando de ser ele próprio, primeiro, para ser ninguém ao ver-se reduzido a uma condição de bem semovente, como um animal de carga. 

 

Sendo notória a grande miscigenação ocorrida no país, é inegável que não se vive uma democracia racial, o preconceito de cor existe, ainda que camuflado e suas origens remontam ao passado escravista que marcou as consciências e o modo de ser dos brasileiros.  

 

Devido ao fato da abolição da escravatura ter ocorrido sem reparação ao povo negro originou-se uma sobreposição classe/cor que resulta até a atualidade com diferentes oportunidades socioeconômicas para o povo brasileiro.  

 

Somente após 1988, ano do centenário da abolição da escravatura, com a promulgação da nova Constituição Federal brasileira é que as questões que envolvem o destino das comunidades negras do país conseguem notoriedade, pois assegura-se a estas o direito a seus territórios ancestrais. E, apenas em 2003, passa a ser obrigatório nos currículos escolares o ensino de história afro-brasileira e indígena por meio da Lei nº 10.639 e em 2008 pela nº Lei 11.645. 

 

Contudo, não foi especificado nas leis de que forma esse ensino ocorreria de fato nas escolas. Sendo este ensino tratado como um tema transversal, em geral, cabendo às disciplinas de Geografia e História darem conta de tais discussões. 

 

No entanto, esbarra-se em problemas para a concretização do ensino desta temática, dentre os quais se destacam a falta de materiais didáticos adequados e a ausência de capacitação dos docentes para tratar de forma ampla o tema. 

Aprovada em 2003, a Lei nº 10.639 alterou a Lei nº 9.394/1996 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, em seus artigos 26-A, 79-A e 79-B, ao incluir o estudo da História e Cultura Afro-Brasileira no ensino fundamental e médio nas escolas oficiais e particulares. Posteriormente, em 2008 a Lei nº 11.645, alterou novamente o Art 26-A. 

A inserção da temática na educação brasileira deveu-se, a campanha política do então candidato à presidência da república, Luiz Inácio Lula da Silva, em virtude de seu combate e reconhecimento das desigualdades sociais entre as populações brancas e negras. 

 

Até ser sancionada em lei, existiram diversos movimentos sociais negros que defendiam igualdade de direitos no Brasil. Na década de 1930, o movimento negro pernambucano intitulado Frente Negra Pernambucana e, na década de 1970, o Movimento Negro Unificado (MNU) representaram marcos históricos importantes na luta contra a discriminação racial.  

 

A cidade de Salvador na Bahia, em 1985, foi uma das primeiras no Brasil a preocupar-se com conteúdos curriculares que remetessem à história afro-brasileira, inserindo na rede pública a disciplina “Introdução aos Estudos Africanos”. Sendo este um ato emblemático para a população afrodescendente local. 

 

Em 1995 em um ato que relembrou os 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares, militantes de movimentos negro promoveram discussões sobre as condições da população negra, principalmente nas universidades, debatendo a respeito das políticas antirracistas, culminando assim na “Marcha Zumbi dos Palmares: Contra o racismo, pela cidadania e a vida”, na qual cerca de 10 mil negros e negras foram a Brasília com um documento reivindicatório, que foi entregue ao presidente Fernando Henrique Cardoso.

 

Denota-se com esta trajetória que a introdução da pluralidade cultural no ensino foi uma forma de afirmar a intervenção do Estado, das leis e das políticas públicas na Educação, uma vez que retrataram as necessidades de uma transformação social, em prol de direitos políticos e fundamentais reconhecidos pela sociedade.

 

Passados vinte anos da promulgação da lei nº 10.639/03, a realidade das escolas foi pouco transformada. Para se cumprir as obrigações legais curriculares normalmente o que ocorre é o trabalho pontual nas datas comemorativas, tais como o dia vinte de novembro, dia da consciência negra.  

 

O trabalho assim realizado, de forma descontinuada e sem transversalidade, não atinge seu objetivo de transformar a realidade por meio de uma educação crítica, que necessita ser cotidiana para ser efetiva. 

 

Neste contexto, o professor resiste à implementação total e abrangente dessa legislação por não contar com os meios/recursos adequados para tal. Este encontra-se sobrecarregado e desvalorizado, além de pressionado por metas irreais nas avaliações institucionais (nacionais e estaduais). 

 

Também é necessário destacar que grande parte dos atuais professores não contou, em sua formação universitária, com essa visão decolonial, que valoriza aspectos antes rejeitados da cultura negra. Faltam-lhes, desta forma, não só a formação de base para que entendam a necessidade da transformação da realidade, mas também a formação continuada para atender as demandas que lhes chegam. 

 

Assim, evidencia-se que embora o aparato legal seja um grande avanço e uma conquista rumo a uma nova historiografia e a uma sociedade menos cindida muitos passos ainda necessitam ser dados. As leis devem deixar de ser apenas papel e transformarem-se em políticas públicas efetivas, com alocação de recursos e capacitação dos envolvidos em sua multiplicação.

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